Enfermeira há 25 anos, Fabiana Vaz relata o dia a dia na UTI Covid

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Hoje já vacinada, tendo recebido a segunda dose da vacina contra a Covid-19 em fevereiro, Fabiana Vaz Machado, enfermeira há 25 anos, tem enfrentado a pandemia na linha de frente, trabalhando na UTI Covid da Santa Casa e em Rivera. A enfermeira relatou ao jornal Correio do Pampa como tem sido a rotina de trabalho, confira:

“Antes da pandemia, a rotina era como a de qualquer enfermeiro”

Ao longo desses 25 anos de trabalho como enfermeira, antes da pandemia, Fabiana contou que vivia a rotina como a de qualquer enfermeiro, trabalhando e seguindo as normas que sempre existiram e eram revisadas anualmente. Ela destacou que cuidados básicos, como higiene de mãos, desinfecção de ambientes e limpeza, sempre estiveram presentes no cotidiano dos profissionais de saúde, assim como reuniões frequentes com as equipes, salões lotados, cursos e congressos.

“Chegar em casa, tomar um banho e sentar com a família para conversar, almoço aos domingos com o meu pai, visitas na casa das minhas primas, um lanche com as amigas, festinhas de aniversário, chá de fraldas, chá de panelas, casamentos, batizados, aulas presenciais, os estágios, mercado, cinema, a vida que todos conhecemos como normal. Isso era antes de março de 2020”, relembrou.

“Foi como aprender a andar de novo”

Com o início da pandemia, a rotina mudou completamente, os manuais, normas e rotinas institucionais foram reformulados e protocolos tiveram que ser escritos, várias e várias vezes, ela ressaltou.

“Foi necessário estudar e para isso buscar informação que não existia, buscar as realidades de outros países muito distantes. Como na Europa eles sofreram tudo isso antes que nós, eu entrava nos comitês científicos, principalmente da Inglaterra e da Itália para ver como que a gente podia fazer, pesquisar qual era a melhor máscara, qual era o melhor avental, foi como aprender a andar de novo”, contou Fabiana.

“Os EPIs se tornaram nossos melhores amigos”

As pesquisas seguiram com o treinamento para o uso correto dos equipamentos de proteção individual, os EPIs, que Fabiana destacou terem se tornado os melhores amigos dos profissionais. “Para isso a gente teve que treinar, colocar e tirar várias vezes, porque só com a retirada correta dos EPIs é que a gente não se contamina. Fazer protocolos de novo, revisar quase todos os dias, corrigir erros no momento em que aconteciam, pois não podíamos deixar para o dia seguinte, cuidar da equipe se tornou prioridade”, relembrou a enfermeira.

E foi assim que a frase que sempre ouviu, que dizia que para cuidar dos outros precisaria estar bem, se tornou ainda mais real, pois somente ao se cuidar que iria poder cuidar do outro.

“Chegar em casa se transformou em um verdadeiro ritual”

Além da rotina intensa no hospital, seguindo todos os protocolos, chegar em casa também se transformou em um ritual, buscando ao máximo proteger a família. “Entrar pelos fundos, deixar a roupa em um saco, entrar para o banho, colocar a roupa para lavar separado, passar álcool nos sapatos, na bolsa, em tudo, constantemente. Chegar em casa e abraçar e beijar as minhas filhas teve que esperar”, explicou.

“Viver de perto essa realidade, por vezes, parece irreal”

Sobre trabalhar na UTI, que conta com dez leitos – dois destinados ao atendimento de pacientes Covid –, Fabiana ponderou: “viver de perto essa realidade, por vezes, parece irreal, vendo pessoas adoecerem, o medo nos olhares, a incerteza, muitas vezes o desenlace não é o esperado e as famílias sofrem de uma forma inimaginável”.

A enfermeira ressaltou a segurança dos leitos de UTI em isolamento da Santa Casa, tanto para o paciente quanto para a equipe, e contou que o procedimento seguido consiste em um técnico de enfermagem fazendo a assistência dos dois pacientes, trocando de profissional a cada turno.  “Quando necessário, para procedimentos invasivos, entra um médico ou um enfermeiro, mas sempre com os equipamentos de proteção individual adequados para evitar contaminação, e sempre seguindo o ritual da colocação e retirada”, informou.

A UTI conta com uma equipe de 24 técnicos de enfermagem e seis enfermeiros, distribuídos em três turnos, manhã (das 07h às 13h), tarde (das 13h às 19h) e noite (das 19h às 07h), sendo que o turno da noite conta com duas equipes, pois fazem noites alternadas. “Quando o profissional de enfermagem entra no isolamento, ele tem que verificar pelo menos quatro bombas de infusão com medicamentos, o respirador, que é a máquina que permite o paciente respirar, o monitor cardíaco, pressão arterial, saturação de oxigênio, temperatura, verificar sondas de alimentação, de urina, traqueal, aspirar secreções, porque se o tubo entope o paciente não consegue respirar e muitos outros procedimentos, como banho e troca de fralda. Tudo isso com um avental impermeável super quente, máscaras N95 que deixam o rosto completamente marcado, duas toucas, dois pares de luvas, protetor facial e sempre seguindo esse ritual”, relatou a enfermeira sobre a rotina dos profissionais.

“A situação que estamos vivenciando é gravíssima”

“Nos últimos três meses na UTI temos mantido 100% da ocupação dos dois isolamentos, e a permanência ali é aproximadamente de um mês, se o paciente não for a óbito antes”, disse Fabiana.

A Santa Casa conta com uma ala de internação covid onde os pacientes têm atendimento exclusivo, porém, quando existe um agravamento deste quadro, os pacientes requerem um leito de UTI que, de acordo com a enfermeira, muitas vezes estavam ocupados. É principalmente por esta razão que o aumento dos números de contaminação preocupa a enfermeira, pela pouca quantidade de leitos.

“A situação que estamos vivenciando é gravíssima, só estando ali dentro para realmente ter uma dimensão do que está acontecendo. Um ser humano internado em uma UTI Covid não é besteira, a família não pode vê-lo e, quando o quadro exige o posicionamento de pronação, que seria de barriga para baixo, são necessárias pelo menos cinco pessoas dentro do isolamento para realizar a manobra com muito cuidado para não deslocar os dispositivos que mantêm o paciente respirando. O esgotamento físico não se compara ao emocional da equipe, o medo constante de ser contaminado, o medo de contaminar a família, é devastador, ainda mais ver o sofrimento de um ser humano literalmente sufocado, ainda acordado, nos pedindo para não ser entubado, para não desligar a luz do quarto e para ficar com o celular para ouvir a voz dos netos”, concluiu.

 

Errata:

Na edição impressa do jornal Correio do Pampa, informamos que a máscara utilizada pela profissional seria N25, mas o correto é N95.

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