UM CLARIM DE GUERRA
Alguns fatos e personagens que ilustram as páginas da história são esquecidos ou ocultos em velhos e empoeirados arquivos, que trazidos a luz em um trabalho investigativo e minucioso. São materiais de grande valor para os pesquisadores e historiadores que no final são publicados em livros. O historiador Arthur Ferreira Filho publicou alguns registros da história gaúcha em seu Livro Rio Grande Heroico e Pitoresco. Achei interessante trazer a luz um personagem significativo nas guerras e revoluções. E o caso de um clarim, que, começa assim:” Era um humilde. Duas coisas, apenas, bastavam para encher sua vida de modesto filho de posteiro gaúcho: seu clarim e a irredutível fidelidade a Bento Gonçalves. Em Sarandi, India Muerta, Passo do Rosário, Jaguarão, onde quer que o herói estivesse e pelejasse, lá estaria Antônio Ribeiro transmitindo vozes do comando, pelas notas de seu instrumento. Em 19 de Setembro de 1835, na estrada de Viamão, numerosa cavalaria descansava. Os cavaleiros, com os animais seguros pela rédea, sem abandonar a ordem de marcha, fumavam, sentados na relva, fazendo comentários e prognósticos sobre os acontecimentos que começavam a se desenrolar. Afastados da tropa, Bento Gonçalves e Onofre Pires falavam, em voz baixa, trocando impressões e combinando planos. A poucos passos, o velho clarim permanecia em silêncio, de pé, apoiando-se sobre o cavalo encilhado, o olhar atento aos menores gestos do Chefe. Em dado momento, este faz sinal e, logo, Antônio Ribeiro, levando o clarim à boca, dá o toque de “sentido” sem adivinhar, certamente, que esse toque acordava o Rio Grande para uma luta de dez anos. Os cavaleiros montam vivamente e, guiados por Onofre Pires, iniciam a caminhada para a conquista de Porto Alegre. Daí, por um decênio, não cessou de vibrar. Taquari, Vacaria, Rio Pardo, S. José do Norte, Alegrete, Pelotas, Triunfo, Ponche Verde…. Toques frementes de avançar, clarinadas alegres de vitórias, notas melancólicas de retiradas, entre lamentações de derrotas. Durante dez anos!… Sonorizando as coxilhas, sobrepondo-se ao zunido dos ventos fortes em dias invernosos, acordando os rebanhos e os quero-queros, nas calmas noites de verão, rolando harmoniosa e clara pelas canhadas do pago. Em 1847 tocou, pela última vez, quando descia ao seio da terra o corpo do Chefe idolatrado. Depois emudeceu. Mais tarde, quando o levaram a sepultura anônima, respeitando-lhe a última vontade, sepultaram com ele seu clarim, o companheiro inseparável de toda a vida. No entanto, já muitos anos depois, andantes ou campeiros retardatários, que, em noites de grande calma, cruzavam a planície adormecida, acreditavam ouvir notas sonoras, como de um clarim distante. Era, diziam, a alma de Antônio Ribeiro vibrando seu velho clarim de guerra, chamando os lutadores tombados no Pampa, para recomeçar a grandiosa epopeia dos farrapos.
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