Diálogo – 06/03/2021

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A milagreira da Daltro Filho

Sepulturas nas ruas sempre foram por motivo de fé. O local nunca é escolhido, é eventual, por um fato histórico. Na Av. Daltro Filho, na calçada onde é hoje o hotel o Hermitage, há alguns anos, havia uma sepultura milagrosa: Da Maruca ou Maruja para os uruguaios. O nome de origem charrua, de uma senhora sensitiva que vivia tirando cartas numa casinha quase na beira das pedreiras antes da construção da vila militar dos sargentos. Tudo era campo aberto lá por volta de 1920, segundo relato de moradores antigos, ela perdera a vida com uma doença contagiosa que cobriu todo corpo com feridas e bolhas. Ela foi encontrada morta em seu leito e a carregaram para sepultá-la onde hoje é a entrada dos Blocos Santana. Nesse local, foi construída uma cerquinha de madeira, onde as pessoas rezavam e faziam pedidos por uma graça. Ela não atendia pedidos dos homens, só de mulheres, pois dizem que bateram com uma pá em sua cabeça por temerem de sepultá-la viva. Ali, de coroa e pavios enegrecidos a terços foram-se queimando a meio uma pedra, a alguém que viveu uma vida ajudando os outros, entornando então ao chão de onde veio. Naquele silêncio, triste e calmo, daquele velho cercadinho de madeira, ergue-se o mais rico mausoléu: da fé.

A Av. Daltro Filho era só uma estradinha quando o Prefeito Pancho Góes, em 1956, a asfaltou, transferindo a sepultura do local original, por questões de traçado da avenida, para o outro lado com um cercadinho de ferro e calçamento Peti Pave (pedra portuguesa) em seu entorno. Vinha gente de todo lado fazer promessa, e as noivas colocavam seus véus de noiva como oferenda. Muitas pessoas afirmaram ter uma graça alcançada, inclusive minha mãe nos anos 60 que pedia pela saúde do meu irmão Miguel, pois morávamos na Vila Militar e era só descer as pedreiras, antes nua, com uma vista linda de toda a cidade, que já se chegava no local. Tinha um vizinho, o Carlinhos, era muito crente nos poderes espirituais dela, fazia promessas e retribuía com reza e velas. Havia muito respeito e as pessoas se benziam sempre quando passavam em frente à sepultura, onde era um ponto de orações e crendices por toda redondeza. Também havia os que tinham medo porque algumas pessoas contavam que viam ela passar nas madrugadas em véus de fogo.

Na Daltro Filho havia uma aura milagrosa, em súplicas por saúde, então veio a construção da Unidade Sanitária inaugurada em 1978, deslocada do antigo local, a Câmara de Vereadores, para a poucos metros da sepultura num acordo entre o Dr. Ivoney e o Pref. Guilherme B. Costa. Na época, o feito causou polêmica, mas para os moradores da Daltro Filho foi um senhor milagre, pois tamanho atendimento de saúde vindo para o lado de cá da cidade era um privilégio.

Um dia, suas luzes esvaneceram, devido ao progresso, a sepultura não mais brilhava com suas velas e véus esvoaçantes, fora deslocada para o cemitério, em 1986, na gestão do Prefeito Oriovaldo Greceller, com todos os elementos e terra sagrada com zelo merecido, devido à importância da fé. A sepultura existe até hoje, segundo servidores do cemitério, ainda recebe gente até de Montevidéu. Enfim, são histórias de fé que encantam pela origem dos acontecimentos, numa viagem ao tempo que não volta mais.

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