Idosa de 82 anos é resgatada após 27 anos de trabalho análogo à escravidão: ‘Não conhecia dinheiro’

Casal enganou vítima ao dizer que guardava quantia para realizar seu sonho da casa própria, e foi condenado a pagar R$ 815 mil
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A Justiça determinou,  o bloqueio de R$ 815 mil do casal que mantinha a vítima trabalhando como empregada doméstica, sem salário, folgas e controle de ponto.

A fim de reparar a submissão e os abusos praticados pelos réus – um empresário e uma médica –, o valor será transferido para a trabalhadora, que ainda receberá seguro-desemprego e verbas rescisórias.

A empregada passou 27 anos trabalhando para a família sem remuneração, “sonhando em ter uma casinha”. Ela acreditava que a patroa juntaria dinheiro para realizar seu desejo. Segundo a investigação, os empregadores a enganaram durante o período, e alegavam não pagar o salário pois estavam guardando dinheiro para ela.

O resgate ocorreu no dia 24 de outubro, após o MPT receber uma denúncia anônima a respeito do trabalho análogo ao de escrava no endereço do casal. Durante a operação, os auditores fiscais foram recebidos pela empregadora com frases como “minha vontade era de te esganar” e “eu queria te bater, se eu pudesse”. Em dado momento, segundo o MPT, ela tentou fugir com a vítima, mas foi conduzida ao local pelos policias militares. Por fim, ainda tentou impedir a entrega de documentos pessoais.

A vítima relatou que trabalhava todos os dias sem receber, e que até seu BPC (Benefício Previdenciário Continuado) ficava sob a posse da patroa. Durante as diligências, os agentes constataram que não havia recibos de pagamento ou de conta corrente para pagamento de salário à vítima. A única quantia paga pelos patrões era de cerca de R$ 100, enviados mensalmente ao irmão da vítima, que vivia em Jardinópolis (SP).

“A empregada possuía um benefício assistencial, e a empregadora fazia o gerenciamento daquele recurso e adquiria os gêneros de primeira necessidade para a trabalhadora com esses recursos que eram passados pelo governo. Salário nunca recebeu. Ela tinha o sonho grande de ter uma casa em recompensa por todos esses anos de trabalho, e ela expressava isso. Ela tinha essa crença muito forte de que receberia essa casa da empregadora”, explica a auditora fiscal do trabalho, Jamile Freitas Virginio.

A vítima contou que começou a trabalhar como doméstica para outra família, ainda criança, e posteriormente foi ‘cedida’ aos atuais patrões. Em um contexto de vulnerabilidade, sem possuir estudos e qualquer relacionamento, ela se submeteu à situação de trabalho escravo.

“Mulher, negra, de origem humilde, analfabeta, ela é mais um exemplo de interseccionalidade, uma vez que evidencia a sobreposição de opressões e discriminações existentes em nossa sociedade, as quais permitiram que tantos anos se passassem sem que a presente situação de exploração fosse descoberta pela comunidade que rodeava a família”, afirma o procurador Henrique Correia.

Além da condenação a pagar cerca de R$ 800 mil – à qual cabe recurso –, os patrões podem ter seus nomes incluídos na “lista suja do trabalho escravo”.

Saiba como identificar e denunciar o trabalho escravo

O trabalho análogo à escravidão moderna pode ser identificado por qualquer pessoa e tem as seguintes características:

– trabalho forçado (indivíduo submetido a exploração, sem poder deixar o local por conta de dívidas ou ameaças);
– jornada exaustiva (horas diárias ou dias por semana desgastantes, que põem em risco a saúde do trabalhador ou trabalhadora);
– servidão por dívida (trabalho para pagar dívidas ilegais que “prendem” o trabalhador à atividade);
– condições degradantes (elementos que indicam a precariedade do trabalho: alojamento insalubre, alimentação de baixa qualidade, maus-tratos, ausência de assistência médica, saneamento básico e água potável).

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