Atraso de salário e quase 60 demissões: a semana difícil dos trabalhadores da Santa Casa

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A semana passada não foi fácil para os funcionários da Santa Casa. Logo na segunda-feira, 22, o sindicato convocou assembleia para deliberar quais os próximos passos tendo em vista que o salário referente ao mês de janeiro ainda não havia sido pago.

Silvio Madruga, presidente do SindiSaúde, afirmou, naquela data, que uma nova greve dos trabalhadores não estava descartada, mas que os trabalhadores aguardavam um posicionamento da direção do hospital a respeito do pagamento dos salários, já que o acordo judicial previa o pagamento até o dia 18 de cada mês.

Uma reunião entre o SindiSaúde e a direção do hospital teria sido agendada para que os motivos do atraso fossem apontados, mas os representantes do hospital desmarcaram em virtude de estarem participando de outra reunião, na Prefeitura.

Ao voltar para a Santa Casa, a diretora Leda Marisa, que foi questionada pela nossa reportagem, afirmou que a reivindicação dos trabalhadores era justa, mas o pagamento dos salários não foi efetuado “por absoluta insuficiência de recursos. Temos gestionado desde antes por recursos suficientes para esse compromisso, mas por fatores independentes da nossa vontade, não conseguimos”.

Entre esses fatores, segundo Leda, está o Ministério da Saúde não ter liberado o sistema para fazer o faturamento do hospital referente ao mês de janeiro, bem como o atraso no repasse dos recursos que foram encaminhados pela Câmara de Vereadores, por força do feriado. Com esses dois recursos, segundo a diretora, seria possível realizar o pagamento dos salários.

A diferença entre os valores recebidos e as despesas do hospital causa esse constrangimento mensal, na visão da diretora. “Todos os meses, no período de pagamento, nos deparamos com essa realidade de insuficiência de recurso para fazer frente a nossos compromissos. Isso nos aborrece mas é algo concreto”, frisou.

O pagamento dos salários foi feito na quinta-feira (26).

 

 

Demissões

Nesse ínterim, 59 funcionários de vários setores do hospital foram sendo chamados, aos poucos, no setor de Recursos Humanos da Santa Casa, onde foram informados de sua demissão. Inconformados, reuniram-se na quarta-feira (25) pela manhã e realizaram uma manifestação em frente à Prefeitura Municipal, em busca do pagamento de seus direitos trabalhistas.

Vários gritos de ordem foram entoados em frente do Palácio Moysés Vianna, e os trabalhadores contaram com o apoio de outros sindicatos, como o CPERS; a Unamos e alguns vereadores.

 

 

 

Vice-prefeito Evandro Gutebier

Em virtude da viagem para cumprimento de compromissos externos da prefeita Ana Tarouco, o prefeito em exercício Evandro Gutebier recebeu os trabalhadores do hospital e destacou ver toda a situação com muita tristeza. “Infelizmente temos quase 400 funcionários na Santa Casa e 115 leitos. Não estamos suportando pagar essa conta”, afirmou.

As demissões estariam sendo feitas de acordo com a auditoria contratada em dezembro de 2020 pela direção de Sérgio Oliveira. Tal auditoria busca desenvolver projetos que melhorem a condição financeira do hospital.

 

 

Silvio Madruga – presidente do SindiSaúde

 

Após reunião com o prefeito em exercício Evandro Gutebier, Silvio Madruga esclareceu aos trabalhadores que foi entregue ao mandatário um documento solicitando o cronograma de pagamento das verbas rescisórias. “Eles explicam que querem salvar a Santa Casa, a gente entende que é um processo e que eles tinham que cortar, mas o Sindicato discute é que não foi feito cronograma para pagar aqueles que foram demitidos. Eles também alegam que não tem dinheiro nem para pagar a folha agora. Mudar a Santa Casa passa por muita coisa. Tem uma nova gestão no hospital, que ainda não conhecemos, e vamos valorizar, mas demitir trabalhadores sem pagar, não pode”, afirmou.

Segundo Silvio, o Sindicato não foi avisado das demissões.

 

 

Aquiles Pires – advogado do Sindisaúde

Segundo Aquiles Pires, a situação é bastante delicada, por isso os trabalhadores propuseram o ato. “Estamos trabalhando em dois campos. A seara jurídica, pois houve alguns atropelos, com demissões de funcionários em férias, próximos da aposentadoria e membros de diretoria do sindicato, o que não poderia ser feito. Além disso, temos um hospital único que atende prioritariamente pacientes com suspeita e positivos para Covid-19. O natural seria estarmos discutindo o aumento de leitos do hospital e essa ação de demissões para diminuição da Santa Casa é muito preocupante para a população, em qualquer das esferas, é triste esse momento com mais de 30 trabalhadores sem receber, sem cronograma, inclusive o Executivo e a direção do hospital tinham se comprometido em uma audiência de conciliação com o desembargador do Tribunal Regional do Trabalho em cumprir até o dia 18 o pagamento da folha e apresentar um cronograma para os próximos pagamentos. Em vez disso, não cumpriu nada do que prometeu e demite os trabalhadores sem critério e sem cronograma de trabalho no momento em que precisamos aumentar a capacidade do hospital. O direito dos trabalhadores está sendo ferido e toda a população fica em risco com a diminuição do hospital”, afirmou.

 

Enrique Civeira – presidente do Legislativo

Enrique Civeira afirmou que a demissão é normal, “o que não é normal é demitir as pessoas e não pagar. Fomos tão criticados no governo anterior, mas o prefeito Ico ia até a Santa Casa, participávamos das reivindicações. Eu como secretário de saúde nunca me escondi, sempre fui disponível. Demitir é um direito que a prefeita como interventora tem, desde que cumpra com suas obrigações”.

O presidente da Câmara classificou o ato como injusto contra os trabalhadores que há um ano trabalham incansavelmente e em meio a uma pandemia. “Em 60 dias, a prefeita só colocou os pés uma vez no hospital, ela tem que conhecer mais a Santa Casa, nós somos solidários aos trabalhadores do hospital”, completou.

Enquanto Casa Legislativa, os vereadores enviaram ao Poder Executivo R$120 mil para “levantar” a greve dos trabalhadores. “Até agora, não sabemos onde está esse dinheiro. A Casa Legislativa sempre ajudou o hospital e o que está faltando agora é transparência para dizer onde estão os recursos que a Casa manda. Estamos junto com o Silvio e com os trabalhadores e o que tiver dentro de nossa possibilidade, com certeza vamos fazer”, concluiu.

 

Rafael de Castro – vereador do PSB

Acompanhando o ato dos trabalhadores, o vereador Rafael de Castro disse estar preocupado com o pagamento dos servidores que estão sendo demitidos. “Precisamos ter essa informação corretamente, pois é um direito dos trabalhadores e estes precisam ser preservados”, enfatizou.

 

Jacira Pires Machado – funcionária da lavanderia

“Eu tenho 16 anos de casa e como se eu fosse ‘um nada’, me mandaram embora sem direito nenhum. Dei meu sangue lá dentro e não vão nos pagar, outra vez tiraram 110 colegas que até hoje não receberam nada. Isso não é justo, pois trabalhamos porque precisamos. Passei seis meses lá dentro sem receber e aguentei até o fim. O hospital é meu meio de sobrevivência e eles não pensaram nisso, se teremos o amanhã. Eles não sabem tudo o que passamos lá dentro, apenas nos mandaram no RH. Eu estava de folga ontem (23) quando recebi a ligação da minha chefe de setor, pois eu estava sendo chamada no RH. Quando cheguei lá, me mandaram assinar e disseram: “sinto muito”. Perguntei que dia poderia passar para pegar minha rescisão e disseram que não tem previsão. É justo isso? Só da lavanderia fomos quatro demitidos. Não dormi a noite inteira pensando em como vou pagar minhas contas”.

 

João Vitor Ribeiro Gimenez – comprador

 

“Ontem, um pouco antes do meio dia, fui chamado na direção e fui surpreendido com a rescisão para assinar. Fui elogiado pelo meu serviço, sendo um funcionário exemplar, mas mesmo assim fui demitido. Eles estão em pleno direito de contratar e demitir, mas quais os critérios para demissão? Não existe data para pagamento das rescisões, foi tudo muito no escuro”.

 

 

Ex-funcionários e SindiSaúde acampam em frente à Prefeitura

 

Com o retorno da prefeita Ana Tarouco a Livramento após assumir a 1ª vice-presidência da AMFRO, os funcionários demitidos do hospital e o SindiSaúde montaram tendas e fixaram faixas na Praça General Osório, em frente à Prefeitura Municipal. Segundo Silvio Madruga, essa ação tem o intuito de buscar uma resposta do Executivo quanto ao cronograma de pagamento das rescisões dos 59 funcionários demitidos. “Vamos ficar aqui até recebermos uma resposta do Executivo”, afirmou.

Doações de alimentos, feitas por pessoas da comunidade têm sido um conforto nesse momento difícil, segundo Silvio.

 

 

“Caixa Preta da Santa Casa”

No início da tarde de sexta-feira (26), a prefeita Ana Tarouco concedeu uma entrevista coletiva sobre o hospital, onde disse que abriria a “Caixa Preta” do hospital. “Muito se falou ao longo desses dias, independentemente de sermos ‘vivente’ ou ‘sobrevivente’, é importante que sejamos conscientes do que é a Santa Casa, o orçamento que há anos vem sendo sonegado e usado por outros interesses que hoje, por não estarem mais acomodados, se levantam. Hoje provamos em números o que está sendo feito”, afirmou.

Segundo a prefeita, o hospital possui uma dívida mensal variável entre R$ 400 e R$ 900 mil. “Por mais que muitos não gostem, a Santa Casa é uma entidade privada, filantrópica, que presta um serviço público. Os funcionários são privados, não são servidores de carreira. E a Santa Casa gasta mais do que arrecada”, explicou.

De acordo com os números divulgados pela prefeita Ana Tarouco e pelo vice-prefeito Evandro Gutebier, a dívida acumulada é de R$ 51.295.037,59. No mês de janeiro de 2021, a Receita mensal foi de R$ 1.259.930,03. Já a despesa, somou o valor de R$ 1.817.939,11, o que causa um déficit mensal operacional na ordem de R$ 558.010,02.

“Quando se fala de saúde, lembramos da Santa Casa e esquecemos e negligenciamos os postos de saúde, que passam por muitas dificuldades pois o município não consegue fazer frente a tudo. Também temos a zona rural e a cidade não resume à Santa Casa, temos que trabalhar em várias frentes”, destacou a prefeita, lembrando que as dívidas municipais, ou “restos a pagar” recebidos por sua gestão, chegam à casa dos R$ 11 milhões, que incluem dívidas de luz, coleta de lixo, telefone, entre outras despesas.

Verba Covid-19

No ano de 2020, foi recebido o seguinte valor da verba COVID: R$ 9.160.451,40. Desse montante, R$ 4.573.468,01 foram destinados à Santa Casa. Tal valor, segundo a prefeita, foi utilizado para pagamento de despesas gerais do hospital, o que o permitiu manter-se em funcionamento nesse período. Mesmo com esse auxílio recebido, em 2020, a Santa Casa encerrou seu orçamento com déficit de R$4.799.973,52 (Total de receita: R$ 23.197.443,48 / Total de despesa: R$ 27.997.417,00). A previsão, em 2021, é que o a receita gire na casa dos R$23 milhões e as despesas superem os R$27 milhões, o que fará o hospital registrar déficit de mais de R$ 9 milhões.  

Ana Tarouco também destacou, durante sua apresentação, que na gestão do Instituto Salva Saúde – de maio a dezembro de 2019, houve 83 novas contratações. Ela também explicou que quando os trabalhadores são demitidos e ingressam judicialmente para recebimento de seus direitos, é acionado o concurso de credores, dívida que o hospital deve pagar mensalmente. Atualmente, segundo ela, essa dívida está na casa dos R$ 7 milhões, sendo que a última parcela foi paga em 2016.

A prefeita ainda fez uma comparação do número de funcionários por leito, na qual Livramento consta acima da média de outros municípios do Estado como Bagé, Jaguarão e Camaquã, que vai de 1,8 até 2,5 funcionários por leito. A Santa Casa de Livramento opera com 3,4 funcionários por leito.

Sobre o Plano de Ação elaborado por um comitê de crise e que pretende começar a caminhada de recuperação do hospital, a prefeita Ana Tarouco salientou que diversas medidas serão tomadas, como a revisão contratual com médicos, fornecedores, nova contratualização do SUS para revisão dos valores e procedimentos contratados; aproximação com usuários do IPE, Sisprem, Unimed para que possam ser atendidos pela Santa Casa; informatização dos processos da farmácia básica para dar agilidade ao serviço; aproximação com a 10ª coordenadoria de Alegrete; credenciamento, no Estado, dos dois leitos de isolamento e criação de mais 6 leitos para incremento do recebimento dos valores; ampliação e federalização dos leitos de saúde mental, que também incrementará a Receita do hospital; entre outras ações. “Atualmente a Santa Casa possui 16 leitos e está buscando viabilizar 30 leitos de enfermaria Covid. Na medida em que o cenário melhorar e tivermos mais leito e mais condições, nossa situação frente ao Estado melhora. A temática é técnica, temos que falar em números. A Santa Casa tem solução, mas ela não está nos corredores, está na seriedade e tratamento de questões que por muitos anos foi sonegada da população. Peço consciência da população, não se apartem do conhecimento. Somente isso vai permitir que façam seu juízo de valor sem manipulação. Estamos dedicados 24 horas não só para esse problema, mas toda a cidade. Vamos encarar o problema que nunca foi enfrentado!”, concluiu.

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