História – 27/03/2021

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É TEMPO DE TOSQUIA

Ao ouvir a música O Esquilador do Telmo de Freitas Lima veio a minha memória os tempos que eu partia para as estâncias do Tomazinho Albornoz para efetuar o pagamento aos tosadores no final da tosquia. Na porta do galpão, assistia aquele trabalho duro de homens acostumados no manejo com as ovelhas e as tesouras de esquila. Sobre o assunto, encontrei numa das edições de Raul Annes Gonçalves, Mala de Garupa, que escreveu suas experiências sobre a vida gaúcha, num relato minucioso e perfeito sobre a esquila. E, assim o descreve: “Em época de tosa tudo no galpão fica fora dos eixos. Suas dependências são desocupadas para serem aproveitadas como cancha de esquila e depósito de lã. Se houver acomodações suficientes é ainda ocupada pelos tosadores. Caso contrário, a turma acampa ao ar livre, embaixo das árvores, e ali fazem seu fogão. No geral, os tosadores andam em comparsa de 15 a 20 homens. Tosam por empreitada, a seco.  E dão lã embolsada. Paga-se por cabeça de animal tosada. Têm duas maneiras de fazer a tosa. O sistema antigo “a martelo”, isto é, à mão com tesouras apropriadas. O outro, é à máquina de dois, quatro ou seis pares de tesouras impulsionadas por um motor. A tosa a martelo é demorada, porem sendo bem organizada e com bons esquiladores o serviço é perfeito. Não há talhos, salvo alguns beliscões, e há tempo de se curar os animais antes de solto na cancha. Um experimentado tosador tira, por dia, de 20 a 25 ovelhas. Enquanto que com a máquina a coisa é diferente. O serviço é feito às pressas. Não sei se por hábito, se por consumo de gasolina ou devido ao insano barulho do motor que excita o tosador. A questão é que não há tempo para nada. A ordem é de tocar para frente. Ninguém pode parar. Tudo o que se faz é acelerado. Daí provém os cortes e talhos, muitas vezes de gravidade. Com a ganância de tirar número, encorajado pelo ruído infernal do motor que é ensurdecedor e sentindo aquela tesoura elétrica a tremer-lhe a mão, como se fosse uma arma, o esquilador ataca a lã como a um inimigo. Suando, com fúria, em poucas passadas derruba o velo, causando, sem dó, ferimentos no couro e não levando em conta que aquela lã estava pegada em um corpo de animal vivo. E ao cair do vejão o tosador grita vitorioso “se cayó la felpa”. Em seguida desamarra o pobre animal e, agarrando-o sem piedade por uma mão ou pata, vira-o de um lado para o outro para desgarrar. Pronta afaina, o tosador grita satisfeito: “lata me deve”.  E, soltando a temível tesoura, dá com ambas as mãos um tapa nos vazios da ovelha a fim de despregar alguma mecha de lã no corpo do bicho, e também para ele desaparecer de sua frente, antes que outrem o veja sir com talhos sem serem curados. Sabemos que tosar é um trabalho árduo, brabo mesmo, requer gente forte, saída e guapa, mas se tiverem um bom coração, melhor ainda”. Quando terminava a esquila os tosadores gritavam anunciando o fim da tosa, e eu me preparava para efetuar o pagamento do pessoal.

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