Marxismo e o mito do egoísmo inato
Gosto de Marx mais como luz a minha ignorância. Ele analisou as pulsões que governam os agentes econômicos e conformam as relações de troca. Lida com as lentes da psicanálise, destrói a crença no egoísmo atávico e no indivíduo centrado apenas em si mesmo.
As lições que se aprendem no “intelecto geral” da sociedade contemporânea. A primeira vem de Vladimir Safatle e vai orientar a redação do escrito que se segue; diz o seguinte: nenhuma perspectiva sociológica pode abrir mão de uma análise das disposições subjetivas dos indivíduos que habitam a sociedade. Ou seja, tem de compreender como os “sujeitos” investem a libido na conformação de seus comportamentos, na manutenção de seus vínculos sociais com outros “sujeitos”, na aceitação ou rejeição das instituições etc. Ao fazê-lo, formulam representações imaginárias, aderem a códigos simbólicos e adquirem expectativas de satisfação. Se assim for, interessa aqui perguntar que compreensão das pulsões humanas está implicitamente admitida na obra madura de Karl Marx, ou seja, em O capital?
Para responder essa pergunta, estuda-se muito, e Adrian Johnston, um filósofo norte-americano da corrente de pensamento conhecida como lacano-marxista. Segundo ela, “o materialismo histórico e a crítica da economia política contêm uma teoria da pulsão antropológica e filosófica”. Mais do que isso, esse autor sustenta mesmo que essa teoria antecipa até certo ponto a metapsicologia de Sigmund Freud.
Eis que é preciso ler logo um trecho da introdução dos Grundrisse: A produção (…) produz não somente um objeto para o sujeito, mas também um sujeito para o objeto. Logo, a produção produz o consumo, na medida em que cria o material para o consumo; determina o modo de consumo; gera como necessidade no consumidor os produtos por ela própria postos primeiramente como objetos. Produz, assim, o objeto de consumo, o modo do consumo e o impulso do consumo. Da mesma forma, o consumo produz a disposição do produtor, na medida em que o solicita como necessidade que determina a finalidade.
Sentindo-se o esgotamento do planeta com o aquecimento global, como não pensar nos meios de produção sustentável tão decantado por Marx. Pensamentos progressistas ou socialistas a aparte, penso que toda corrente de pensamento não se deve dar o luxo de descartar para sairmos deste esgotamento ambiental provocado pelo excesso de consumo num mundo de fome. Algo está mal na política econômica mundial, inclusive para os cristãos, pois a “disposição” e “impulso” que pertencem ao léxico atual da psicanálise estão nos devorando. Nosso comportamento como indivíduo social é governado por pulsões que se originam na natureza orgânica do ser humano, mas que se manifestam necessariamente por meio da mediação da linguagem, fundamento da sociabilidade humana. Indica claramente que produção e consumo estão numa relação de complementariedade que se dá de modo interativo, mostrando assim que não podem ser tomados meramente como atributos redutíveis aos indivíduos como tais. Marx vai bem além disso na caraterização das pulsões que governam os agentes econômicos. Como se sabe, mostrou, primeiro, que a pulsão subjetiva do produtor de mercadorias aparece replicada na pulsão subjetiva do consumidor de valores de uso e que ambas estão determinadas estruturalmente pela pulsão objetiva do capital, logo, as crises, a pobreza generalizada, o colapso ambiental nos desconfortam por bem ou por mal.
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